sábado, 22 de novembro de 2008

La Nouvelle Revue d'Histoire n.º 39

Está nas bancas o número 39 de «La Nouvelle Revue d’Histoire», cujo tema é “1918 A grande ilusão”. No editorial intitulado “Os equívocos do nacionalismo”, o director conclui: “De Paris a Berlim e mesmo até São Petersburgo, o nacionalismo de detestação substituiu o antigo patriotismo carnal, o sentimento interior e forte de identidade. Sentimento que fazia ainda Voltaire dizer em 1751 que a Europa formava uma espécie de República partilhada em vários Estados, mas tendo todos os mesmos princípios, desconhecidos nas outras partes do mundo”. O excelente dossier, abre com o balanço de Dominique Venner sobre “A grande ilusão”: “11 de Novembro de 1918, o clarão do armistício anuncia o fim do inferno. Mas esta guerra destruiu por muito tempo a antiga ordem europeia”, considera. De seguida, podemos ler os artigos “França. A ditadura do Tigre”, de Philippe Conrad, “Foch: a controvérsia”, de Jean Kappel, “A guerra vista da Alemanha”, de François-Georges Dreyfus, “O fracasso de Ludendorff”, de Wolfgang Venohr, “Em África, uma guerra de gentlemen”, de Bernard Lugan, que faz referência à incursão de von Letow em Moçambique, “Sob o olhar dos escritores”, de Jean Bourdier, “As ilusões generosas de Jean Renoir”, de Norbert Multeau e ainda a cronologia de Jean Kappel e a entrevista com Rémy Porte e François Cochet, autores do “Dictionnaire de la Grande Guerre”, sobre as rivalidades franco-inglesas.


Destaque ainda para a entrevista com Jean-Paul Bled sobre as figuras da antiga Prússia, os artigos “A coroa secular da Hungria”, de Jean Bérenger, “A reconquista da Grécia moderna”, de Éric Mousson-Lestang, e a descoberta de Jean-François Gautier sobre um lado desconhecido do historiador Jacques Benoist-Méchin, a música. Como sempre, para além de outros artigos, temos a crónica de Péroncel-Hugoz, bem como as secções habituais.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Mediterrâneo não é a nossa mãe

Trazendo para a órbita mediática o seu fumoso projecto de união mediterrânica, Sarkozy quis, com certeza, realizar um dos seus "golpes" de comunicação graças aos quais finge existir — ou pelo menos faz parecer. Mas, por trás da operação política, está uma operação muito mais importante, de natureza ideológica. Trata-se efectivamente de afirmar ao mundo que o mundo mediterrâneo é um bloco unido, soldado por uma pertença comum a uma etnocultura única e destinado a integrar-se, tal e qual, à Europa. Ou, mais exactamente, a essa utopia que é a Euráfrica. No fundo, trata-se de justificar a imigração africana na Europa como sendo um fenómeno inevitável mas benéfico, que permitirá a instalação de uma civilização mestiça, trazida por uma população na qual europeus e africanos se vão fundir numa mistura harmoniosa, pelo exemplo dado pelo mundo mediterrâneo.

É preciso constatar, não sem lamento (pois esta revista trouxe muito ao debate ideológico, apesar de não partilharmos todas as suas posições), que o n.º 129 da revista «Éléments» se inscreve na mesma perspectiva, publicando um dossier intitulado "Mediterrâneo nossa mãe". Um título talvez inspirado no que Thierry Maulnier deu ao seu óptimo livro "Cette Grèce où nous sommes nés" [Esta Grécia onde nascemos], publicado pela Flammarion em 1964.

Também no seu editorial Robert de Herte, ou seja Alain de Benoist, faz abundantemente referência à Grécia para exaltar as virtudes mediterrânicas. "Esquecendo" que alargar ao conjunto do Mediterrâneo o contributo decisivo, evidentemente incontestável, da Grécia à civilização europeia é um disparate histórico. Inspirado talvez nos conceitos de Danilo Zolo, professor de direito internacional em Florença, que, numa entrevista à «Éleménts», que deseja ver "reaparecer uma Europa enraizada na sua cultura milenária, com as suas raízes mediterrânicas". É necessário recordar a este distinguido universitário que as raízes da Europa são pelo menos tanto célticas, germânicas e eslavas como greco-romanas? E, quando Robert de Herte-Alain de Benoist escreve que o Mediterrâneo "é um espaço entre terras, o que significa que tanto une como separa", introduz necessariamente a ideia, se as palavras têm sentido, que o Mediterrâneo une, num mesmo conjunto, as populações instaladas, desde há milénios, nas terras banhadas por ele: Espanha e Catalunha, Languedoc e Provença, Itália, países balcânicos, Grécia, Turquia, Síria, Líbano, Israel, , Egipto, Líbia, Tunísia, Argélia, Marrocos. O que confirma a apresentação do diário de viagem de Ange-Marie Guerrini (intitulado muito significativamente "De Toledo a Cartago"): o Mediterrâneo "é um conjunto de povos, ligados entre si por influências marítimas e luminosas".

Ora no curso da história do Mediterrâneo, longe de ser um traço de união, uma "ligação", foi uma linha da frente. Mesmo quando o império romano fez a unidade política, provisória, do que os romanos chamavam Mare nostrum, foi após confrontos mortais entre Roma e Cartago no plano político e militar, Atenas e Jerusalém no plano filosófico e religioso.
Confrontos que opunham concepções do mundo inconciliáveis — e que ficaram num império romano minado pelo veneno oriental. Confrontos retomados quando o islão tenta submeter a Europa à lei corânica. Como se pode conceber que pertencem ao mesmo espaço cultural e civilizacional Roma e Cartago, Atenas e Jerusalém, a Provença e o Magrebe? É preciso, para afirmar a unidade cultural do mundo mediterrâneo, apoiar-se num postulado ideológico que, como todos os postulados ideológicos, foi, é e será contradito, totalmente, pelo peso das realidades étnicas. Pois é esse o fundo do problema: não existe uma unidade étnica no Mediterrâneo; só há, até hoje, confrontação étnica. As ilusões do período colonial (com a muito famosa "integração", de Dunkerque a Tamanrasset) desfizeram-se nos anos 1950-60, a guerra da Argélia veio lembrar o peso das realidades étnicas.

É no meio do Mediterrâneo que passa a fronteira entre dois mundos: o Norte e o Sul. Sabemos qual é a tese dos terceiro-mundistas (que contam nas suas fileiras com Alain de Benoist, depois da publicação, em 1986, do seu livro "Europe, Tiers monde même combat" [Europa, Terceiro mundo, o mesmo combate]): o Norte – quer dizer o mundo branco – é responsável pelas misérias do Sul – quer dizer o mundo não-branco. O Norte deve assim arrepender-se e expiar os seus pecados – particularmente subsidiando largamente e, melhor, acolhendo e sustentando em sua casa populações do Sul (que à época a revista Europe-Action chamava muito justamente não "subdesenvolvidos", mas subcapazes). Qualquer observador minimamente atento e lúcido sabe que o século XXI será o do enfrentamento Norte-Sul, que já começou pois a fronteira mediterrânica é alegremente violada pela imigração. Com efeito, também, o campo ocidental traiu os homens do Norte justificando, pela ideologia dos "direitos do homem", a invasão vinda do Sul. Razão de sobra para recusar tudo o que contribua para justificar essa invasão. Por exemplo, a exaltação de um islão trouxe os refinamentos de uma verdadeira civilização aos bárbaros do Norte.

Este cliché ideológico, que beneficia de uma larga orquestração mediática — vejam-se os protestos suscitados pela sólida obra de Sylvain Gouguenheim[1] — seduziu certos intelectuais (ou seja pessoas muitas vezes alheadas das realidades), desde o século XIX, na Alemanha e noutros sítios. Foi o caso de Nietzsche, a cuja autoridade recorre Robert de Herte apoiar a sua posição. Nietzsche que louvou a "maravilhosa civilização moura de Espanha"... Como a qualquer pessoa que não é perfeita, aconteceu, mesmo a Nietzsche, escrever asneiras — pode-se ser um grande filósofo e não ter uma sólida cultura histórica[2]. O destruidor do cristianismo não compreendeu, ou não quis compreender, que cristianismo e islão são irmãos inimigos porque provenientes da mesma matriz semítica, que é preciso procurar do lado do Sinai. Quanto ao Grande Meio-dia nietzscheano, referido também por Robert de Herte, é preciso lembrar, mesmo assim, que não tem nada que ver com o Sul já que se inscreve numa perspectiva puramente espiritual. Basta, para o saber, ler seriamente o autor de "Assim falava Zaratustra". O que evita lastimáveis contra-sensos, ainda mais incómodos pois são instrumentalizados para justificar o injustificável.

Pierre Vial
in «Terre & Peuple» n.º 37

[1] Aristote au Mont-Saint-Michel. Les racines grecques de l'Europe chrétienne, Le Seuil, 2008. Veja-se, sobre o "affaire Gouguenheim" e as suas razões de ser ideológicas, o artigo de Bernard Fontaine na La Nouvelle Revue d'Histoire, n.º 37, Julho-Agosto de 2008.
[2] A "maravilhosa civilização moura de Espanha" é ilustrada, do século XI ao século XIII, pelos Almorávidas e os Almóadas, fanáticos de Alá vindos de África para "regenerar", em nome da jihad, um islão de Espanha julgado muito brando e precursores dos islamitas actuais no que respeita aos seus métodos "maravilhosamente civilizados". Veja-se a este respeito Philippe Conrad, Histoire de la Reconquista, PUF, 1998. [Edição portuguesa: História da Reconquista, Europa-América, 2003.]